Hilda de Almeida Prado Hilst (1930-2004) foi uma das maiores escritoras de língua portuguesa da segunda metade do século XX, com obras de referência na poesia, romance, teatro e crónica. Publicou o primeiro livro de poemas, ‘Presságio’, aos 20 anos, ainda estudante de Direito na Universidade de São Paulo, onde ficou amiga de outro nome grande das letras: Lygia Fagundes Telles. Uma viagem pela Europa depois de terminar o curso levou-a a dedicar-se à literatura, não sem antes gozar os prazeres de uma vida boémia, que usou como matéria prima para a sua obra.
De regresso ao Brasil, fez construir numa propriedade da mãe, em Campinas, o refúgio onde passaria o resto da vida: a Casa do Sol. Ali escreveu a maior parte da sua obra, recebeu artistas e escritores, entregou-se a experiências relacionadas com a sua crença no espiritismo e recolheu cães abandonados – chegou a ter 150. Ali passou também a sua "fase pornográfica": poesias, romances e peças de teatro de conteúdo erótico fortemente gráfico, com utilização primorosa do vernáculo português respeitante ao sexo.
Merecem destaque os ‘Poemas Malditos, Gozosos e Devotos’, ‘Bufólicas’, ‘A Obscena Senhora D’, ‘O Caderno Rosa de Lori Lamby’ e ‘Contos d’Escárnio/Textos Grotescos’. Interrogando-se sobre a obscenidade de que era acusada, refletiu: "Obsceno? Ninguém sabe até este domingo o que é obsceno. Obsceno para mim é a miséria, a fome, a crueldade, a nossa época é obscena."
Do livro ‘O Caderno Rosa de Lori Lamby’, Ed. Globo
Araras versáteis
"Araras versáteis. Prato de anémonas.
O efebo passou entre as meninas trêfegas.
O rombudo bastão luzia na mornura das calças e do dia.
Ela abriu as coxas de esmalte, louça e humedecida laca
E vergastou a cona com minúsculo açoite.
O moço ajoelhou-se esfuçando-lhe os meios
E uma língua de agulha, de fogo, de
molusco
Empapou-se de mel nos refolhos robustos.
Ela gritava um êxtase de gosmas e de lírios
Quando no instante alguém
Numa manobra ágil de jovem marinheiro
Arrancou do efebo as luzidias calças
Suspendeu-lhe o traseiro e aaaaaiiiii...
E gozaram os três entre os pios dos
pássaros
Das araras versáteis e das meninas
trêfegas."
Do livro ‘Contos d’Escárnio/Textos Grotescos’, ed. Globo
(...) Queria umas três vezes por noite o meu pau rombudo lá dentro. E antes desse meu esforço queria também a minha pobre língua se adentrando frenética naquela caverna vermelhona e húmida. Empapava os lençóis. Era preciso enxugá-la com uma bela toalha felpuda antes de meter na dita cuja. Na hora do gozo ria.
– isso não é normal Flora.
– bobinho! Isso é vida, alegria, o amor é alegre, Crassinho.
(…) Claro que nem todas as ‘soi-disant’ cultas são assim tão chatas. (...) Uma delas é inesquecível. Josete. Inesquecível por vários motivos. Mas principalmente pelo gosto exótico na comida e no sexo. (…) Tinha mania de uma música: ‘You’ve changed’, e era aquela xaropada até às duas da manhã mais ou menos, quando eu já havia mergulhado meus dedos várias vezes na sua suculenta xereca. Abria discreta e elegante as pernas nas boates, embaixo da mesa, enquanto engolia com avidez aqueles vinhos caríssimos. (…) Muitas beliscadinhas, muito dedilhado até que ela gozava escondendo o gozo e simulando um segredo e enchendo de bafo, gemidos e saliva a concha do meu ouvido. Eu dizia com a caceta dura e espremida entre as calças:
– vamos embora, hen bem?
– tá tão gostoso, amor
– eu sei, Josete, mas olha só o meu pau
– não seja grosso, Crasso.
(...) Um tal de Ezra Pound, poeta norte-americano, era o xodó de Josete. (…) O cara era um bom fascistóide, você sabia?
– bobagens, Crassinho, o homem foi um génio.
(…) – tudo bem, Josete, se você gosta… ‘de gustibus et coloribus’ etc.
– pois gosto tanto, amor, que vou te mostrar a que ponto vai minha reverência por esse autor admirável (…) pegue aquela grande lupa lá na minha mesinha. (...)– Então peguei – faz um favor, benzinho, abra o meu cu. (…)
– não acredito no que estou vendo, Josete, você tatuou à volta do seu cu pra quê?
– homenagem a Pound, Crassinho.
– mas isso deve ter doído um bocado!(...)"
Namorada de Dean Martin
Numa entrevista ao jornalista brasileiro Cristiano Diniz, Hilst contou que, em 1957, namorou com o ator Dean Martin só para conhecer Marlon Brando.
Casa do Sol, Campinas
Em 1966 foi viver para uma quinta onde trabalhava e recebia escritores e artistas. Ali funciona hoje o Instituto Hilda Hilst, dedicado à divulgação da sua obra.
Homenagem em Paraty
Hilst foi a autora homenageada na prestigiada Festa Literária de Paraty (FLIP)
de 2018. A sua obra foi evocada pela atriz Fernanda Montenegro.
Disco de Zeca Baleiro
O cantor musicou poemas de Hilst no disco ‘Ode Descontínua e Remota para Flauta e Oboé – De Ariana para Dionísio’, com a participação de Maria Bethânia.
Lori Lamby no cinema
A atriz Iara Jamra protagonizou a adaptação ao cinema do livro polémico ‘O Caderno Rosa de Lori Lamby’, realizado por Sung Sfai em 2005.
Hilda e os cães
A escritora gostava muito de cães, que levava para a quinta à volta da sua Casa do Sol. Chegou a ter 150. Hoje continuam a ser lá acolhidos.